domingo, 30 de novembro de 2008

EXPERIÊNCIA DE VIDA


EXPERIÊNCIA DE VIDA

Gostava de partilhar convosco a história de um amigo. Daqueles amigos do coração. Amigos verdadeiros. Ao mesmo tempo gostava que ela servisse de reflexão para todos quantos lerem este blog.
Este amigo, tinha acordado bem disposto e bem-humorado para mais um dia de trabalho, ao contrário do que vinha acontecendo ultimamente (no decorrer da história verão porquê). Chegou à empresa por volta das 8,15 horas, visto que o horário de entrada é às 8,30 horas e, horários, ele gosta de os cumprir escrupulosamente. Foi cumprimentando os colegas que lhe iam aparecendo, trocando com um deles um diálogo de alguns minutos.
Como estava previsto sair nesse dia em serviço externo, dirigiu-se à portaria e solicitou um carro da empresa. Passados alguns instantes saiu; percorridos cerca de maia dúzia de quilómetros sentiu uma forte dor de cabeça e no peito, bem como a perda de força do lado esquerdo, no entanto, ainda teve discernimento para ligar para a empresa e, passados poucos minutos já estavam com ele dois colegas, que de seguida o transportaram a uma clínica próxima, onde lhe foram prestados os primeiros cuidados, no entanto, passado muito pouco tempo chegou o 112 que de imediato o transportou ao Hospital Distrital (esta parte da história foi-me contada por um médico que é amigo comum e que por acaso esteve presente).
Por casualidade necessitei de falar com ele e liguei-lhe várias vezes para o telemóvel, mas nunca atendeu. Já não era possível. Liguei para a empresa onde trabalhava e uma colega deu-me conta do que havia acontecido. Tentei saber junto do hospital algo de mais concreto, foi-me dito que tinha sofrido um AVC e que estava na sala de observações. Preocupado, dirigi-me ao hospital, expliquei quem era, e com a ajuda da família deixara-me falar com ele alguns, minutos.
Com voz arrastada e pouco perceptível e a parte esquerda semi-parelisada, olhou para mim com uma lágrima que teimosamente lhe corria pela cara, apertou a minha mão e apenas trocámos meia dúzia de palavras, não mais do que isso.
Passados dois dias voltei ao hospital, já tinha sido transferido para a unidade de AVC’S.Com a voz mais perceptível, contou-me algumas coisas que eu já sabia e outras com as quais fiquei deveras admirado e que me reservo de contar, pois assim respeito a vontade dele. Falou-me do que sentiu quando lhe aconteceu o AVC e das pessoas que de imediato se lembrou, o filho, a mulher, uma sobrinha linda, dos pais e da irmã. Sentiu que provavelmente não os veria nunca mais, nesta altura da conversa, aquela lágrima teimosa voltou a correr-lhe pela face.
Há uma coisa que vou contar e, tenho a certeza, que ele me vai perdoar, porque não posso calar face ao que dele conheço e a revolta que isso me causou, que foi algum tempo antes o terem acusado de falta de profissionalismo. Como podem acusar alguém como ele de falta de profissionalismo, se estava sempre disponível para a empresa, a qualquer dia, a qualquer hora, sempre…, mesmo sabendo que com isso prejudicava a família e a si próprio.
Os bons profissionais são aqueles que ouvem aqui e contam acolá, que como o povo diz levam e trazem? Se são estes, mal estamos quando isso acontece.
Falou-me da vida intensa que teve durante cerca de oito anos, em que quase não tinha tempo para a família, para os amigos ou mesmo para dormir. Eu sabia do que estava a falar pois algumas dessas actividades tinham sido partilhadas comigo. A maioria, ou mesmo todas essas actividades deixou-as a algum tempo, mas o trabalho continuava a absorvê-lo. Aquela lágrima teimosa não parava de lhe correr pela face, enquanto me ia dizendo, “sabes isto é o acumular da vida intensa que os dois levámos durante alguns anos e, agora estou aqui numa cama de hospital” fez ainda questão de dizer que o pessoal auxiliar, enfermagem e médicos têm sido excelentes e incansáveis. Já quase no final da conversa ainda me disse “ tenho fé que rapidamente voltarei à minha vida normal, mas sem excessos”.
Ainda teve tempo para elogiar a Administração da empresa onde trabalha, que tiveram para com ele sempre o comportamento digno, solidário/incansável e cordial.
Perguntei-lhe pelo futuro. Resposta rápida e espontânea “ Só a Deus pertence”.
A visita estava a terminar, despedimo-nos com um até amanhã, quando dobrava a porta da unidade olhei para trás e aquela teimosa lágrima continuava.
Nesta altura já se encontra em casa a recuperar, mas todos os dias nos falamos.
Há!... Esqueci-me de dizer, este meu amigo chama-se João e tem 45 anos.

JC

domingo, 23 de novembro de 2008

sábado, 1 de novembro de 2008

SOLIDARIEDADE


SOLIDARIEDADE

Fui fundador de uma Instituição Particular de Solidariedade social e, membro da Direcção, durante nove anos.
Foi dos melhores tempos que passei na minha vida. O nascer da Instituição, pedra sobre pedra, até à sua conclusão. A preocupação de onde iríamos buscar o dinheiro para pagar os materiais e ao construtor no final de cada mês. Este desafio tornou-me mais maduro, mais consciente da realidade que cada dia enfrentam muitos portugueses e que me fizeram transportar para o quotidiano de muitas famílias.
Elas precisavam do dinheiro para fazer face às despesas do dia a dia, comprar comida, roupa, livros e outros bens essenciais. Nós precisávamos do dinheiro para, como disse, pagar os materiais e ao construtor e, como consequência, este pagar aos funcionários para que pudessem satisfazer as suas necessidades básicas.
A vida é um ciclo.
Mas, como ia dizendo a Instituição ia crescendo, as verbas iam aparecendo e nós com muito custo víamos o nosso sonho concretizar-se. Esqueci-me de dizer, que vivo numa aldeia de cerca de seiscentos habitantes, que nem sede de freguesia é. O Povo sempre nos apoiou, essencialmente no aspecto financeiro e mão-de-obra. Isto fazia com que cada vez tivéssemos mais força para continuar e, passados cerca de quatro anos a primeira fase da obra estava concluída. Com o dinheiro e a mão-de-obra do povo e com verbas significativas do poder central este primeiro sonho estava realizado.
Esta foi para mim a fase mais marcante.
O dia em que entraram os primeiros idosos e as primeiras crianças hão-de marcar-me para o resto da minha vida.
Nessa altura funcionava apenas infantário, ATL e centro dia. Não estávamos satisfeitos e partimos para uma segunda fase. A criação do lar. Mais dores de cabeça. Donde vem o dinheiro? Onde o vamos buscar? Mas a Direcção e os outros Órgãos Sociais em conjunto com a população sempre souberam dar a resposta adequada.
Mais uma candidatura a fundos comunitários e, volvidos mais dois anos, viamos a segunda parte do sonho concretizado.
Pouco tempo depois estavam a entrar os primeiros idosos para o lar.
No final desta fase achei por bem retirar-me e dar lugar a outros que pudessem dar continuidade ao projecto por nós iniciado, ou mesmo melhorar o já existente.
O certo é que a Associação tem continuado a crescer e, neste momento, a funcionr em pleno, já com outras valências, sendo actualmente uma das Associações que melhor funciona no Distrito de Aveiro.
Nesta altura, ter-se-á já investido cerca de três milhões de euros.
Foi a fase da minha vida em que me senti mais realizado. O poder fazer algo por alguém que precisava e irá continuar a precisar. O concretizar dum sonho que à partida poucos acreditavam para além de nós Órgãos Sociais.
O poeta diz “ O sonho comanda a vida e quando um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”. Aqui, nós sonhámos e concretizámos a obra.
Provavelmente um dia voltarei aos Órgãos Directivos da Associação, já me está a fazer falta viver o dia a dia da Instituição e os seus problemas e continuar a dar me aos outros.
JC