domingo, 25 de janeiro de 2009

OS PÁSSAROS NÃO CONSEGUEM FAZER-SE OUVIR - RUÍDOS CIDADES - 1


CIDADES RUÍDOS - 1
PÁSSAROS NÃO CONSEGUEM FAZER-SE OUVIR


Os chilreios matinais, que ainda se ouvem pelas cidades, poderão acabar dentro de pouco tempo.
Para já, os pássaros vêem-se forçados a alterar as suas melodias para se fazerem ouvir pelos seus semelhantes.
Nascer do sol na cidade. O breve silêncio da noite dá lugar ao rugido fraco dos automóveis, camiões e fábricas, mas há um som cuja ausência é notória. O familiar coro da aurora, acompanhado pela sua rica mistura de melodias e pios, já não se ouve. Em vez dele, ouvimos uma música espantosamente frágil: bárbara, aguda e, por vezes, estridente. Sejam bem vindos à paisagem sonora do futuro.
Não se trata de uma visão catastrofista, mas da previsão de cientistas que estudaram as consequências da poluição sonora sobre a vida dos pássaros urbanos. O clamor crescente proveniente das cidades e das estradas pode parecer-nos desagradável, mas, para os pássaros, pode significar a diferença entre a vida e a morte. Este fundo sonoro consegue camuflar, em simultâneo, o ruído dos predadores que se aproximam e os pios que anunciam perigo. Poderá, além disso, alterar as hipóteses de reprodução dos indivíduos ao abafar o canto que os machos utilizam para atrair as fêmeas e marcar o seu território.
O impacto de tal ruído já é inegável. Algumas espécies deixaram, pura e simplesmente, de ser capazes de se fazer ouvir por entre esta barulheira crescente e encontram-se encurraladas fora da cidade. Outras começam a modificar o seu modo de comunicação. A longo prazo, poderão aparecer novas espécies. Se os níveis sonoros continuarem a aumentar, é inevitável que a vida dos pássaros urbanos mude de forma significativa.
Se prestarmos atenção, essas mudanças já são perceptíveis. Vejamos um exemplo revelador: agora, os pássaros cantam fora dos períodos do princípio do fim do dia, os momentos em que habitualmente se manifestavam mais. Às primeiras horas do dia o barulho do vento e de outras turbulências está no seu ponto mais baixo e, por conseguinte, os sons chegam mais longe, mas não se tivermos em conta o tráfego da hora de ponta.
Richard Fuller
, da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, descobriu que alguns piscos de peito ruivo desistiram do seu concerto matinal e passaram a cantar à noite, para escapar aos sons agressivos do dia. Esta mudança foi atribuída, de início, aos efeitos perturbadores da poluição luminosa, mas o estudo deste cientista revela que os ruídos diurnos têm um impacto claramente mais forte: os bairros da cidade onde Fuller estudou estes cantos nocturnos são mais ruidosos do que os outros bairros, durante o dia.
(continua...)

EXCERTO DE REVISTA NEW SCIENTIST – LONDRES
AUTOR ED YONG
DE MAR./08
JC

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

PENSAMENTOS


“Haverá algo mais verdadeiro do que vencer a força com a razão?”

MAHATMA GANDHI

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

TEMPO DE ANTENA


TEMPO DE ANTENA

Muito se tem escrito e ouvido sobre a guerra Israel/Palestina, mais concretamente na faixa de Gaza. Páginas e páginas de jornais, aberturas de noticiários, directos televisivos, um sem número de coisas. E muito bem. Concordo inteiramente que este apelo seja lançado ao mundo para que a Paz possa ser alcançada o mais rapidamente possível, e o truar das armas, dos canhões, da aviação se cale de uma vez por todas para que centenas de pessoas deixem de morrer. A grande maioria inocentes.

Por outro lado têm-se esquecido do continente Africano, onde países como o Zimbaué, o Congo, a Guiné Conacri, o Sri Lança, a Guiné- Bissau, e tantos outros que poderia enumerar, se encontram em guerra quase permanente, ou com uma grande instabilidade política/governativa, em que prolifera a insegurança, a degradação completa da saúde, o tráfico de droga, enfim o caos social.
Quantas páginas de jornais são gastas com as gentes deste continente ou quantas aberturas de telejornais são feitas ao longo dos tempos sobre estes países?
Muito poucas. E porquê? Talvez porque alguns deles não sejam países muito ricos, apesar do continente Africano ser extremamente rico em minério e agricultura quando devidamente explorada. Mas não “alimentam” os senhores da guerra nem as grandes potências mundiais.
É bom que os mídia divulguem também o que se passa com as pessoas deste continente para que também elas possam ser ajudados pela comunidade internacional a alcançar a paz e assim viverem em liberdade e com a dignidade que merecem.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

PRIVAÇÕES SOCIAIS


PRIVAÇÕES SOCIAIS

Estava numa consulta médica à espera de vez, e ouvi o seguinte diálogo entre duas pessoas de idade.
Disse uma para a outra; “então foste às compras? Já compraste tudo? perguntou uma. Resposta da outra; as minhas compras faço-as rápido a maioria delas são feitas na farmácia, parte do dinheiro da minha reforma é gasto em medicamentos, um pouco na alimentação e, roupa já não sei há quanto tempo não compro, basta um qualquer farrapito para andar vestida, depois visto um casaco por cima e já nada parece mal”.
Confesso que fiquei deveras admirado, incomodado, pensativo e revoltado com a vida destas duas pessoas. Revoltado porque os governantes quer em Portugal, quer no mundo nada fazem por estas pessoas. São tratadas com pouca ou nenhuma dignidade, cada vez menos se olha para elas. Gente que já contribuiu para a riqueza nacional e agora no fim da vida, ou quase no fim da vida vive com uns míseros duzentos trezentos ou quatrocentos euros de reforma.
Como é possível viverem com o mínimo de dignidade? Não é possível…
Por isso faço um apelo a todos os governantes, bem sei que é quase impossível esta chamada de atenção alguma vez lhes chegar. De qualquer forma não podia calar. Olhem para estas pessoas com a dignidade que elas merecem.

JC


Imagem de - www.entrekulturas.pt/Media/pobreza

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

OS SURDOS TAMBÉM OUVEM

OS SURDOS TAMBÉM OUVEM

Por acaso, naquele dia o metro estava completamente vazio. Sentei-me ao fundo, perto da janela, de costas voltadas para a porta, e abri o livro que trazia na mão. Duas paragens depois, a carruagem permanecia vazia e silenciosa e continuei entretida a ler. Passados uns minutos senti um desconforto estranho. Um pressentimento de que, embora não ouvisse o menor ruído, não estava sozinha. Achei que estava a imaginar coisas e nem levantei os olhos do papel. Na paragem seguinte ninguém entrou, mas continuei a achar esquisito aquele “feeling”. Olhei através dos vidros e verifiquei, com espanto, que estava realmente acompanhada. De um pequeno grupo de adolescentes surdos.
Sentados no extremo oposto da carruagem, sorriam e falavam uns com os outros sem emitir um único som. A dança dos gestos e a maneira simples como pareciam entender-se eram, ao mesmo tempo, misteriosas e fascinantes.
Discretamente, pousei o livro e fiquei a espiar aquele grupo. Durante dez minutos seguidos, tempo que me pareceu uma eternidade, não consegui deixar de olhar para eles. Não fui capaz de entender um único gesto, mas tenho a certeza de que adivinhei algumas das suas intenções.
Ver um grupo de surdos falar animadamente, discutir ideias entre si, discordar e retomar o fio do pensamento é uma experiência marcante. Quando digo que aqueles dez minutos me pareceram uma eternidade quero dizer que foram profundamente envolventes e me obrigaram a ver (e ouvir) coisas radicalmente diferentes daquilo a que estou habituada.
Primeiro o silêncio. Um silêncio profundo, uma ausência total de ruídos, de sons, de vozes e, no entanto, uma conversa. Uma espécie de magia.
Depois o olhar. Mesmo através do reflexo do vidro, o olhar de cada um era revelador. Olhavam todos com olhos de ver. A seguir, o entendimento. Simples, sem pressas nem atropelos. Apenas sorrisos e acenos afirmativos ou negativos. Uma ordem perfeita.
Depois ainda, a delicadeza com que se ouviam e faziam ouvir. Atentos, estabeleciam uma escrupulosa prioridade de gestos e olhares da qual ninguém se sentia excluído.
Finalmente a cumplicidade. Total. Tanto no acessório como no essencial. Sentia-se que não estavam sozinhos. Percebia-se que eram muito mais do que simples amigos. Pertenciam uns aos outros e amavam-se tão profundamente que era comovente vê-los assim, unidos e perfeitos neste mundo de imperfeição. Saíram todos juntos e fiquei com pena de não poder ir com eles. Senti-me abandonada e não consegui voltar a concentrar-me no livro.
Tinham entre 15 e 18 anos, não mais. Eram quatro, vestidos como se vestem todos os adolescentes, de calças com bolsos chapados, ténis gastos, camisolas e T-shirts grandes e coloridas. As raparigas tinham barretes enterrados até aos olhos e cabelos bonitos e muito compridos. Os rapazes arrastavam às costas mochilas demasiado pesadas e de cores fortes. À primeira vista eram, em tudo, iguais aos adolescentes da sua idade e nada neles denunciava um mundo à parte. E, no entanto, é de um mundo à parte que se trata. De repente fizeram-me lembrar o testemunho da autora de um livro extraordinário que li há tempos.
Emmanuelle Laborit, actriz de teatro francesa distinguida com o Prémio Molière de 1993, publicou um livro, ao qual chamou “Le cri de la mouette” (Editions Robert Lafont, SA – Paris 1993), onde descreveu toda a solidão e cada minuto de sofrimento que foi obrigada a viver num mundo povoado de pessoas que ouvem.
Emanuelle nunca conheceu nenhum som para além do silêncio, um silêncio devastador e sepulcral que a encerrou, com todos os seus medos, numa espécie de prisão onde se sentiu viver durante anos a fio.
“A surdez é o único ‘handicap’ que não se vê. Todos vemos as cadeiras de rodas, todos conseguimos ver se alguém é cego, mutilado ou doente, mas nunca vemos um surdo. Deve ser por isso que somos obrigados a esconder a surdez , porque ela não se vê”, acusa Laborit.
Bonita como poucas, Emanuelle confessa que toda ela era “ruído interior e silêncio exterior” e que o mundo à sua volta demorou demasiado tempo a compreender que tinha exactamente os mesmos sentimentos, as mesmas expectativas, as mesmas angústias de um ouvinte. Para ela, a verdadeira diferença não consistia em não ouvir, mas sim em não ser ouvida.
“Havia um muro permanente entre mim e os outros e eu simplesmente não compreendia que era surda. Apenas sentia que havia uma diferença e sentia-me triste por isso. É difícil aceitar que nascemos num mundo diferente.”
Laborit juntou à tristeza um enorme pavor da solidão. “Tinha um medo horrível de ficar toda a minha vida fechada a gritar no silêncio.”
Ver aquele grupo de adolescentes fez-me lembrar Emanuelle Laborit e pensar na imensa legião de surdos que vive num mundo em que até as coisas mais simples são, para eles, tremendamente complicadas.
“Nunca ouvi a voz da minha mãe, do meu pai e dos meus amigos. Como será a sua voz?”, interroga-se Laborit no livro. E como será a voz de alguém que fala e quase nunca consegue ser ouvida?
JC
Crónica de Laurinda Alves
“Pública”, Fevereiro de 1999